FUGAZCIDADE | KEINY ANDRADE

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Armazém do Chá/Estaleiro Fotográfico
estaleirofotografico.com

Fugazcidade de Keiny Andrade

04 Junho / 12 Setembro

Com vista a promover e apoiar a fotografia, o Armazém do Chá cria o Estaleiro Fotográfico. Pretende-se a promoção regular de exposições, onde participarão profissionais consagrados e novos talentos nacionais e internacionais, e a realização de workshops temáticos na área da fotografia.

O Estaleiro Fotográfico mostrou-se em Abril através do olhar do fotógrafo José Manuel Bacelar com o trabalho intitulado In-Between. Depois do sucesso desta exposição seguiu-se R & R de Tito Mouraz. Agora, em Junho, o Estaleiro Fotográfico tem a honra de apresentar o trabalho intitulado Fugazcidade de Keiny Andrade.



FUGAZCIDADE

No ano 2000, uma série de fotos feitas pelo fotógrafo Lucas Lacaz Ruiz foi responsável pelo início deste projeto. Seu processo de trabalho consistia em: ao fim do dia, colocar a câmera no painel do carro, em frente ao motorista; deixa-la registrando a cidade, com o obturador em baixa velocidade e o carro em movimento. As fotos eram oceanos de cores e traços e luzes. Fugazcidade nasceu numa conversa com ele, na qual o questionei: e se ao invés da visão do motorista fosse a visão do passageiro? Sim, registrar a cidade que passa pela janela.
A partir de 2003, passei a levar a idéia mais a sério. Muito foi fotografado; pouco aproveitado. Entre 2006 e 2007, entediado com a rotina maçante das redações, o corpo do trabalho começou a amadurecer.
Fugazcidade é olhar para o urbano, sua luz noturna; também para os personagens que habitam suas ruas silenciosas e ao mesmo tempo turbulentas. É olhar como flâneur e perceber o organismo vivo e mutante – em plena erupção de sons, luzes e movimentos – que a cidade se torna.
No fotojornalismo temos a obsessão pela fotografia verossímil, pela informação visual concisa, que chega ao espectador retraída entre anúncios publicitários. O processo neste projeto tenta escapar destes modelos, preocupa-se em olhar a cidade além do reflexo mimético. Aqui, a fotografia pode ser um vestígio, um traço de determinada realidade. Não precisa tentar ser ela própria ou seu disfarce, mas sim sua impressão.
Tudo aquilo que constitui a metrópole, seus temas – a arquitetura, as ruas e avenidas, as pessoas, transformam-se no encontro da baixa luz noturna com o registro (im)preciso do obturador e o corpo em movimento.
Estar em trânsito é o fio condutor para a criação deste projeto. Somos todos passageiros e a cidade também passa por nós quando estamos absortos em nossos compromissos. É inevitavelmente humano e urbano.
Esses registros furtivos, feitos a partir da janela do automóvel ou caminhando pelas ruas; essas faíscas de tempo, luz e movimento, são interferidas digitalmente; realçam-se contrastes e volumes, procuram-se, no instantâneo, os vestígios daquilo que deixamos escapar do olhar acomodado e desatento.
Fugazcidade é um mergulho no transitório. É a construção imagética daquilo que nos surge banal todos os dias, capturado com a luz noturna e com o movimento fugaz inerente ao ser humano das grandes cidades.



KEINY ANDRADE

Keiny Andrade (1977) é fotojornalista e mora no Porto. Licenciou-se em Letras pela Universidade Braz Cubas; fez pós-graduação em Comunicação e Artes pelo Centro Universitário Senac; e atualmente finaliza o Mestrado em Ciências da Comunicação, na Universidade Fernando Pessoa, com o apoio do Programa Alβan (Programa de bolsas de alto nível da União Europeia para América Latina).

No início da adolescência ganhou uma câmera Zenith. Percebeu que fotografia era assunto sério com quinze anos e após tentativa frustrada de entrar numa faculdade de cinema, resolveu estudar literatura. Começou a trabalhar como fotojornalista a partir de 1998, no interior de São Paulo, na sucursal da Folha de S.Paulo. Depois de passar por outros jornais, voltou ao staff do Grupo Folha por 3 anos, quando fotografou para o Jornal Agora. Em 2006, passou a trabalhar de forma independente, colaborando com revistas, agências e jornais, como Agência EFE, O Estado de S.Paulo, Agência Estado, Diário de S.Paulo e Revista Contigo.

Integrou duas vezes a exposição coletiva Aella Foto Latina, em Paris (2006-2007). Em 2006, ganhou o II Prêmio de Fotojornalismo Fundação Caixa Galícia, na Espanha. Foi selecionado para o projeto Brazil By Night, em 2008 – um livro fotográfico com participação de diversos fotógrafos brasileiros. Este ano, em Maio, participou do Festival de Fotografia de Sevilla, com a exposição Entre o tempo, o silêncio e algumas pulsações, nome temporário para um ensaio em andamento, desenvolvido neste período no qual mora no Porto. Neste percurso, descobriu que a fotografia é antes de tudo uma necessidade; não uma opção.

keinyandrade.com


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SOBRE O AUTOR

Uma frase de Leon Tolstoi, mais exatamente a abertura de Anna Karenina, tem rondado meus dias na semana em que escrevo esta apresentação: As famílias felizes parecem-se todas; as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira. E além de exorcizar a sentença, a incluo aqui pois Keiny Andrade é parte da minha família. Não a de sangue, mas a de adoção, de gosto, de alma. E não vale mentir, uma família infeliz a seu modo.
Da inquietação vem esta falta de felicidade, das distâncias a serem percorridas, da saudade e da vontade de sermos o que nunca fomos. Keiny disse ter me escolhido para escrever esta apresentação por conhecer suas idéias, a partir da pós-graduação que fizemos, dos inúmeros debates sobre fotografia, de nossos pontos de vista tantas vezes diversos. Eu vou me dar o luxo de traí-lo, como só se trai um irmão, e falar do que mais me interessa. Da pessoa escondida atrás da câmera.
Sem a armadura de fotógrafo, que o levou para vários lugares mundo afora, inclusive para Portugal, do outro lado do Atlântico e longe de nós, Keiny é uma das pessoas mais sensíveis e dedicadas que conheço. Cabeça dura, insistente, persistente, como todo homem de ideais verdadeiro é. Formado na escola do fotojornalismo, traz para seu discurso uma dedicação à realidade dos fatos que esconde a proeza de sonhar só capaz no mundo das idéias. Daquelas mesmas irrealizáveis, ou acolhidas somente no fato de serem pensadas.
Fotografar a cidade à noite e chamá-la fugaz diz mais sobre o autor deste trabalho que eu jamais poderia. Ou o que dizer de alguém tentando viver de pensar imagens em um mundo no qual fotografia virou commodity? Quem busca deixar de lado o sentido de utilidade, de material primário e expositivo para encontrar o sentimento, o sentimental no visível? Mesmo por meio do invisível, do intuído e não percebido, sim, do fugaz.
No Porto, Keiny desenvolve seu mestrado falando de guerra, fotojornalismo, fotografia digital. O presente, a história e o futuro da área de manejo escolhida por nós e por tantos outros anacrônicos filhos de Cartier Bresson. Real, árido, acadêmico, a aparência perfeita para o superego desse fotógrafo empenhado, calado e de olhar sério. Às vezes distante do homem que escreve contos sobre o dia no qual capturou uma mosca em um pote de vidro ou, contou-me em um e-mail que começou a fumar para espantar a solidão.
No filme The Royal Tenenbaums, o túmulo do patriarca da família traz como epitáfio a sentença: Died tragically rescuing his family from the wreckage of a destroyed sinking battleship . Keiny deixou o Brasil com fotos publicadas em alguns dos principais jornais e revistas do país e com dúvidas se tudo isso um dia valerá a pena. Vai retornar mestre em sua área de atuação, com mais bagagem sentimental, outras imagens e olhares. E a tentativa solitária às vezes de salvar a fotografia, e nós, sua família de inquietos, destes porta-aviões afundados que teimam em ser nossas vidas e nossos olhares.

Rodrigo Dionisio - Jornalista e fotógrafo em São Paulo.

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